24 October 2018

Maya

A Mostra começou com tão pouca informação que fiz escolhas não pelos projetos, mas pelos realizadores. Confiança é isto. É você se abrir para o que o outro tem a oferecer mesmo sem saber o que será.

E porque confia nele e no olhar que tem, você sabe que ele vai trazer o melhor. Vai tirar você da zona de conforto para enxergar coisas com as quais não está acostumando e prestar atenção em coisas que não teria visto sozinho.

Mia Hansen-Love é um deles ; ).

Um rapaz toma banho num hotel. Quando fecha a torneira e começa a se enxugar, nota-se um hematoma feio nas costas. Com o corpo ainda úmido, coloca as calças, olha-se no espelho, pega uma tesoura e corta a barba hipster. Quando o jatinho pousa, repórteres aguardam no aeroporto.

E aí que descobrimos que Gabriel é um repórter de guerra que foi sequestrado por terroristas sírios e libertado mediante pagamento de resgate. Após os procedimentos de praxe (exames médicos, avaliação psicológica, encontro com as pessoas próximas), ele decide deixar Paris e passar um tempo na Índia.

E o filme parece começar neste instante porque você vai descobrindo o universo interior do personagem que é hermético por natureza, a infância sofrida que trouxe consequências devastadoras (assim como pessoas que aparentam estar tudo bem por fora, mas por dentro está tudo despedaçado).

A diretora é de uma delicadeza porque optou por não fazer julgamentos - pelo contrário, mostra que todas escolhas envolvem sofrimento mesmo que a olhos nus pareçam superficiais (preste atenção no rosto da mãe após deixar o encontro).

Outra delicadeza é Maya, a única personagem que parece estar inteira ("seja pouco, mas seja você"). Maya também tem uma história de sofrimento, mas nem por isto esconde ou deixa a dor definir quem ela é. E, enquanto todos procuram motivos para justificar seus tormentos, Maya é a única que tem leveza para olhar para o futuro.

É neste momento que Gabriel precisa decidir se irá se reconciliar consigo e viver de verdade ou se continua fugindo de si e confundindo fazer com ser. Porque se a gente não tem olhos para ver e ouvidos para ouvir, a coisa mais fácil é ficar preso num círculo vicioso de repetir os erros.

O que ficou para mim é que, às vezes, não é questão de faltar amor para um relacionamento dar certo, mas a indisponibilidade emocional de uma delas. Uma até pode ser sincera, mas se as duas não estiverem de coração aberto para viver - e morrer - por este amor, esquece.

Tristeza é encontrar o amor da sua vida e não saber dar valor.

Porque o tempo não volta e o que você deixou de viver, adeus.

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